domingo, 28 de julho de 2019

Andorra Ultra Trail, Ronda Del Cims Magics 2019




4 anos após ser Finisher na Ultra Mitic, tenho a minha 4a presença em Andorra, na altura pouco se falava, na altura pouco se sabia, na altura pouco ou mal preparados estávamos, mas tudo acaba bem quando estamos no nosso meio, um rapaz que cresceu e vive sem montanhas, mas quando está nelas tudo se encaixa.


As palavras essas são escritas por alguém, que só depois de conhecer o trail e a Ana é que algo começou a fazer sentido na sua vida.

A questão é que há coisas que não se compram, como os dons naturais, uns maus outros bons, mas o dinheiro não consegue comprar tudo, ainda bem, assim sempre podemos ombrear.

O Mitic em 2015 deu-me várias coisas, como por exemplo o que era uma verdadeira prova de trail e como era a verdadeira montanha, o esplendor de Andorra, mas no último terço da prova deu-me algo que nunca esqueci e do qual nunca desisti, apesar de fazer as descidas a correr, nas subidas uma veterana Francesa que foi a 3ª da geral feminina passava sempre por mim, uma enorme classe, um pacinho certo e demolidor, eu ali apercebi-me que não valia a pena esgotarmos a descer pois depois a subir a factura pagava-se, senti que aquela prova era um fato à medida para a Ana, a Ana adora a montanha, adora o técnico, adora descer, adora subir, tinha tudo para vergar Andorra.

2016 foi o ano de uma das maiores lições de Andorra e do trail que apanhei, os percursos de Andorra têm características muito distintas uns dos outros, há sempre uma tendência para sermos cientificos, e isso na montanha paga-se caro, o Mitic é a prova em Andorra mais dura por km, pois é a que tem o maior desnivel por km, chega a ter mais 15% de desnivel que a Ronda del Cims, e não tem muitos kms abaixo dos 2000 para recuperar. Tinha tudo para vingar na Ronda del Cims, mas a descida para Margineda ao contrario do Mitic não conseguia correr e estava sempre a cair, era de noite estava sozinho nos 2400 de altitude, e vi a minha vida a andar para trás, e ninguém me iria resgatar, depois de mais de 2 horas mal cheguei a Margineda entreguei o dorsal, eram 2 da manhã, foi o maior erro que podia ter cometido, tinha 7 horas para descansar, e nem quis saber, os restantes dias foram muito marcantes, pois depois de dormirmos ficámos bons e sentiamo-nos bem, tinhamos 2 dias pela frente a ver os outros em prova e nós ali cabisbaixos...
Eu sabia quais as armadilhas do Mitic e nesse ano fiquei a saber a armadilha da Ronda, era o tempo e os kms que tínhamos que fazer até ao primeiro saco, em Portugal temos bases de vida ao virar da esquina em provas de 15 horas, 20 horas e 30 horas, ali na ronda os 73 kms com 7300d+ são cerca de 24 horas sem saco, e temos de respeitar a montanha e o nosso corpo.
Em 2016 apercebi-me que em Andorra quem faz um Mitic pode não fazer uma Ronda, quem faz uma Ronda pode não fazer um Mitic, quem disser em Andorra que se fizer uma prova faz as outras, ou que as outras provas são mais simples no minimo é um imbecil que não sabe o que diz e que ou não fez nenhuma ou só fez uma versão.
No Domingo estava na partida do Solidariotrail, adorei, estar no meio de tanta gente simples com os seus amigos, filhos, foi inesquecivel, adorei ser Finisher, apesar de tudo ainda tinha trazido algo de bom.



2017 lá arranjei maneira de voltar, as gentes de Andorra dizem se não acabares não te preocupas, voltas para acabar, vim com a Ana ela inscrita no Mitic, eu na Ronda del Cims, o dia correu-me bem e fiz uma descida bem tranquila até Margineda, só foi pena não saber o que hoje sei de alimentação, lá estava o Ruben a dormir, tratei de mim e deitei-me um pouco, o Ruben desfiou-me e lá fomos nós para uma caminhada de 100 kms até à meta, pacito a pacito, a Ana tinha ultrapassado o pior o Comapedrosa fez a margineda e saiu com folga, mas a começar a subir começou a tempestade, e com os transtornos passados no abastecimento do refugio do Comapedrosa ele deitou a toalha ao chão, ela sabia que acabava, eu sabia que ela acabava, a minha alegria em Ordino cruzava-se com a tristeza da Ana como tudo o que se tinha passado e como a tinham tratado, eu era finisher da Rona del Cims mas não pude sentir-me bem, eu sabia como estava a sentir-se a Ana...foi dificil fazer a prova sabendo que ela estava sozinha derrotada e que precisava do meu apoio, estava a passar Claror a tempestade intensifica-se começa a cair granizo, rajadas de vento que nos empurravam, tinhamos vestido a roupa toda que tinhamos e mesmo assim estavamos gelados, tivemos que correr até Ille onde a tempestade acalmou, ai aprendi outra lição o material obrigatório que levamos em caso de mau tempo de pouco serve, mas o tempo lá abriu e tivemos bom tempo até ao final.



Em 2018 eu e a Ana fomos até aos Alpes Suiços, participámos na Ultraks em Zermatt 49kms 3600d+ a ir aos 3100 de altitude foi brutal e deu para meter muita coisa para trás, no final do ano a organização de Andorra contacta a Ana a dizer que gostava de voltar a vê-la em Andorra  para poder ficar com outra imagem de Andorra pois tudo foi um caso infeliz e isolado, eu logo lhe disse, se eu achava que tu acabavas o Mitic, acho que fazes a Ronda, pois em 2017 houve uma veterana II sempre a roer os calcanhares a mim e ao Ruben, disse-lhe que fazia a prova com ela e que ela tinha tudo para vergar Andorra e que iria adorar, ainda demorou uns dias a responder, mas lá aceitou e embarcámos num projecto de 8 meses, onde planeamos tudo, reforço de ginásio, cuidados com a alimentação, e planeamento de provas, aquelas tretas todas.




Rond del Cims 2019, não é preciso ser um super atleta, basta sermos humildes para vergar Andorra, basta saber caminhar, basta gostar de caminhar, ser paciente.
São etapas atrás de etapas bem estudadas, tinhamos de poupar o máximo, nunca andar ofegantes isso era a morte do artista, não olhar por cima do ombro.
A primeira etapa seria muito importante, a preparação para ela começava 4 dias antes pelo menos, chegar a Andorra de uma forma não cansativa, e andar dois dias em altitude sem correrias, sem desgastes e sempre super hidratados, o dia antes da prova super descanso e relax, este ponto é fulcral, não somo da alta montanha e precisamos de estar um pouco por lá para não andarmos zonzos e mal dispostos na prova, claro que não chega para ombrear com eles mas chega para mostrarmos que também conseguimos.
A partida em Ordino é mágica, e qualquer uma das 5 partidas que participei, sempre me arrepiei e sempre me emocionei, desde os tambores à ópera e aos foguetes.
O primeiro km é em alcatrão ao fim de 200 mts começa a subir, aqui podem correr mas pode sair caro, corre quem? Os da terra, a elite, os mais bem preparados, os outros pagarão a factura pois mesmo que acabem vão acabar muito mal a arrastarem-se, com a sensação que podiam ter tirado umas belas horas ao tempo que fizeram e que podiam ter desfrutado da montanha.
Eu e a Ana começamos logo a caminhar, a descer era um Nordic Trekking, ainda não estávamos com 15 kms e nem a primeira subida estava feita e já estávamos a passar pessoas a quebrar, foi uma constante até ao final, parecíamos o carro funerário, pois se passássemos alguém abandonavam a prova, salvo ali um grupo de 10 que andávamos sempre certinhos ora passas tu ora passo eu.






Arcalis, a meu ver deve ser encarado como uma base de vida, pois é como chegármos aos Estanquinhos no Miut, mas a seguir vêm 40 kms que metem os primeiros 30 kms do Miut no chinelo. Aqui a saida é calma para fazer uma boa digestão, nós tugas a partir daqui estamos sempre em quebra pois vamos aos 2740mts e nunca baixamos dos 2000, a recuperação é muito lenta senão nula, o plano mantem-se e continuamos certinhos, passamos o Comapedrosa, o Refugio, chegamos a La Botella, e temos uma tranquila descida para Margineda onde chegamos às 06h45, brutal tinhamos 2 horitas para tomar banho, tratar dos pés, comer bem e dormir um pouco, 15 minutos antes do fecho de Margineda saimos, sabiamos que poucos mais vinham atrás, uns 5 ou 6.








Com a saida vem o segundo dia, um belo dia de sol, a Ana estava a corresponder muito bem, a tareia dos primeiros 7300d+ do primeiro dia não a tinham derrubado, as dores que estavam a aparecer nos seu joelhos tinham desaparecido, os próximos kms seriam mais suaves, seriam abaixo dos 2000mts, não iriam massacrar, dava para descomprimir.

Na subida conhecemos o Miguel, um Castelhano , estava sentado a descansar, veio atrás e pediu para nos seguir pois iamos certinhos e assim ele não arrebentava, foi um começo de uma bela amizade, a seguir a Coma Bella na subida vem o Dinis um Português que está em Andorra, passamos a 4, a chegar aos 2000 passamos por um mau bocado com o calor, decidimos dormir um pouco debaixo das árvores ao lado do abastecimento extra, foi crucial, seguimos caminho, apareceram umas nuvens e algumas rajadas de vento, tinha sido a Ana, estava a falar com o vento e ele veio :-)


até Claror foi um repente, sabiamos que já iamos apanhar a noite antes de Ille, mas ainda fizemos mais de metade do troço, a noite cai a passar a ponte no começo da subida, foi pena pois gostava que a Ana visse, esta parte é das mais bonitas de Andorra, uma zona protegida pela Unesco, nós os 4 começamos a ter ritmos diferentes, mas de uma forma inteligente, para não nos atrasarmos uns aos outros, e acabávamos por ficar sempre juntos, nessa subida passaram 2 equipas da Eufória perguntar os kms pois eles tinham alguns kms com as nossas fitas ao contrário.
Em Ille viamos as luzes da malta do Mitic a fazerem uma picada aos 2700 Collada Pessons que é brutal, mas nós iamos virar à direita e descer para Pas de la casa, aqui havia umas camas de campanha numa tenda, e decidimos dormir 1 hora, mal não fazia, no pior dos cenários em Pas de la casa não iriamos dormir mas já seria de dia, a recuperação da soneca foi brutal a descida foi em ritmo vivo a passar uma mão cheia, a subida meti musica em alta voz e acabei com a bateria do telemóvel, mas valeu a pena, quando chegámos lá acima ao control avisei-os que o perfil estava direitinho demais e que iriamos descer e subir e entrar nuns trilhos hardcore, muito inclinados com gravilha e um precipício, Pas de la casa estava ao fundo, eram 05h40 tinhamos novamente 2 horitas ainda dava para outra soneca ahahahah, banhinho nos lavatórios :-) de água quentinha, tratar dos pés, comer bem, preparar mochilas, eles lá voltaram a dormir 1 horita, eu só fechei os olhos até sentir espasmos acho que foram 2 minutos.

Acordei a Ana, o Dinis apercebeu-se, e depois tivemos de abanar o Miguel pois já ali ficava aterrado, quando saimos o sol já ia alto eram 07h45 tirei as ultimas fotografias antes de ficar sem telemovel, no pasto das vacas, Pas de la vacs, o vale a subir era lindissimo, cheio de pequenas flores selvagens, no meio de tufos de ervas altas que escondiam milhares de riachos, onde a vacas pastavam, a Ana ia hipnotizada, a meio já tinha dito que o melhor era acelarar o passo pois eram 09h40 e faltava muito e nada estava ganho e que poderiamos ser barrados em Inclés ao meio dia, a Ana não foi muito na minha conversa, o Miguel perguntou-me Hélder porque vais tão rápido, eles estavam hipnotizados, o Dinis teve um papel fundamental, apontou para o relogio e disse que À aquele ritmo éramos barrados, lá acordaram e comecei a meter um pacinho certinho mais acelarado, mas é claro 3º dia, dos 2000mts aos 2500mts e com zonas de grande pendente não era fácil, o Dinis arrancou passou por mim e disse-me a Ana está com a respiração certinha e folgada e consegue, e foi ela teve uma descarga de Adrenalina por não poder desfrutar mais e correr o risco de ser barrada, ultrapassou-me e vi-me grego para a acompanhar, parecia que ia atrás do Ruben, ela estava fortissima e focada, lá em cima começa a correr, e só parámos em Incles parecia eu e a Daniela no Mitic em 2015, o Dinis era caçado ele bate palmas à Ana, o Miguel não conseguira acompanhar o ritmo da subida e não nos apanhou mais, ele era forte e corria mais que nós e estavamos à espera que ele voltasse a chegar a nós, em Inclês eram 11h00 tinhamos ganho 1 hora, aqui sim eu apercebi-me que só uma ecatombe nos iria trair.
A subida infernal para cabana sorda, e que estava a ficar muito calor, a Ana começa a falar com o vento e ele aparece, foi sempre muito certinha montanha acima, parecia a Francesa no Mitic em 2015 eu aqui já ia a descomprimir muito contente, na descida para Cabana Sorda ainda parámos num riacho para meter os pés em água gelada pois dali para a frente só iriamos parar na meta.
Cabana Sorda passou muito rápido, bem como o último montinho, até Sorteny foi em Nordic Trekking os nossos pés estavam a ceder e as dores eram muitas, não valia a pena nos queixarmos pois não há Rondas sem dores, queixar para quê, todos nós tinhamos dores, tantas que nem sabiamos qual a pior, tantas que por vezes não se sentia nada e por vezes as lágrimas caiam, a tensão de estar a acabar era notória, o Dinis um pouco à frente, o Miguel um pouco atrás, lá chegámos a Ordino onde estava o Aires e a Anabela, e muitos Portugueses, que nos receberam tão bem, deixo os meus parabéns especiais ao Black :-) a todos os atletas pois, os que não acabam merecem muito eu sei do que falo.

Obrigado Cims magics, obrigado AUTV, obrigado Ana pela tua companhia, eu sempre acreditei em ti. Finalmente cruzamos a meta em Ordino juntinhos após 61 horas, fizemos uma ponta final de elite, conseguimos ser mais rápidos do que em 2017 nos últimos 40 kms quando fiz 51 horas, isso é um facto, outro facto é que ajudaste-me a ser finisher pela segunda vez na Ronda del Cims, outro facto é que foste a primeira Tuga a acabar as 100 milhas de Andorra, outro facto é que já acompanhei duas Tugas a serem primeiras Tugas em Andorra foste tu Ana na Ronda e foi a Daniela no Mitic e isso é não é um acaso.
Foram dias inesqueciveis, antes e durante a prova, Andorra é linda mas contigo a meu lado tudo fica mais lindo, obrigado Ana


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